“Não julgueis para que não sejais julgados” 

            O julgamento é uma atitude altamente reprovada pelo Senhor Jesus Cristo. Se podemos dizer que há algo que ele odeia é a postura de condenar o próximo com bases em julgamentos falhos e injustos. Diversas vezes no Novo Testamento o encontramos em conflito com os fariseus por assumirem cargo de juizes de todos.

            Jesus dirige suas palavras aos seus discípulos na intenção de corrigir esta postura de superioridade sobre os demais. Nada se afasta mais dos princípios de Cristo do que esta atitude de estereotipar e engessar as pessoas numa condição de reprovação sem permitir a possibilidade de mudanças.

            Embora sejamos encorajados a não julgar, precisamos entender que estamos constantemente fazendo avaliação das pessoas, e o próprio Senhor Jesus nos ensina a identificar os falsos profetas e distinguir os servos da luz dos servos das trevas. Recomendações tais como: “pelo fruto reconhecereis a árvore” e “examinai os espíritos” são sentenças claras que mostram a necessidade de discernirmos o certo e o errado, o bem e o mal.

            Contudo nosso julgamento não deve ser de caráter moral e impiedoso. Sobretudo quando resultante de motivações ilegítimas.

            O Mestre apresenta alguns possíveis motivos espúrios que nos levam a fazer juízo de outros, por isso, adverte tão veementemente “não julgueis”.                   Vejamos as intenções mais comuns envolvidas em nossos julgamentos:

* Causas mais freqüentes de julgamentos:

A Vaidade faz do seu possuidor um juiz da virtude e do vício, da pureza e da corrupção. A mania exibicionista de expor as qualidades e como se fala dos grandes e prodigiosos feitos. Exemplo disso é o ministro que deixou de tomar chá, café e coca cola, quando a verdadeira razão dessa atitude foi a de parecer melhor do que as pessoas que o cercam e que bebem grandes quantidades dessas bebidas.

A intenção é se exaltar, crescer na admiração das pessoas à custa de realizações e patamares alcançados, ao passo que o outro é visto como incapaz de atingir tal posto. É o nível de santidade, intelectualidade, econômico e profissional que “eu” cheguei e o outro não. Neste caso o “eu” é o parâmetro para julgar o outro.

A Inferioridade produz uma ambição exagerada, o individuo não consegue conter o impulso de julgar numa perspectiva de depreciação moral dos outros, derrubar os outros significa a elevação de si mesmo. Por mais que se autorepreenda e que rejeite esses julgamentos (como prazer por ter evitado a fofoca), sua necessidade interior de se afirmar como importante faz com que continue condenando os outros inconscientemente.

Tais indivíduos tentam superar a inferioridade que sentem julgando os outros menores ou desqualificados em relação a si, procuram justificar sua falta de valor próprio desvalorizando outros através de emissões de juízos no inconsciente. Eles não expõem suas idéias acerca dos outros apenas guardam para si. O que é pior já que não se submete a repressão social, age caladamente como sendo uma sentença fixa sem se abrir a opiniões de terceiros.

A Inveja tem uma nuance diferente, ela cobiça o alheio. Quer pra si o que é do outro e que não pode ter. De alguma forma está intimamente relacionada às anteriores, a maneira que se tem de aliviar a infelicidade sofrida por não ser ou ter o que é do outro é recompensada na tentativa de imitação. O julgamento se processa no aumento do defeito do próximo.

Aqui caminha de mãos dadas com a hipocrisia que é a forma de disfarçar tal sentimento feio. Assume-se uma aparência de piedade, pois bem disse Jesus quando advertiu para o suposto interesse em ajudar o semelhante: “Deixa-me tirar o cisco do teu olho”, quando seu real motivo é denunciado: “Hipócrita, tira primeiro a trave que está no teu olho e só assim poderás ver para tirar o cisco que está no olho do teu irmão”.

            Todos esses problemas são do campo do relacionamento interpessoal. Nossa relação com o próximo é tão difícil em grande parte porque envolve questões interiores não resolvidas ou mal resolvidas. Conhecedores destas possíveis causas que não são nem um pouco santas, tomemos precauções na hora do julgamento, lembrando sempre do mandamento do Senhor: “Não julgueis para que não sejais julgados”.

* Sugestões para não cair no falso julgamento:

Compreender os motivos que me levam a julgar: Antes de fazer qualquer julgamento é importante vasculhar nosso coração e saber o que se passa ali, quais os interesses que estão nos levando a tal conduta. “A própria compreensão fará muito pela clarificação das motivações e mostrará os ardis nelas existentes” contra as quais se devem lutar. Ao compreendermos nossos sentimentos de vaidade, inferioridade, inveja ou ambição egoística de forma nua e crua, logo seremos tranqüilizados em relação à necessidade de condenar o semelhante. Nas palavras de Jesus enxergar a trave no próprio olho fará com que busquemos primeiro o auto julgamento sem nenhuma pretensão de condenar quem quer que seja.

Ter coragem de assumir as imperfeições: isso quer dizer se capaz de errar. Encarar a si mesmo em verdade e graça e ser capaz de assumir que o problema talvez não esteja fora, mas dentro. “Deixa-me tirar o cisco do teu olho”, é a demonstração de ver no outro seu pequeno problema enquanto se tem uma trave no próprio olho. Ter a coragem de reconhecer a imperfeição e que somos capazes de falhar é uma virtude terapêutica no processo de amadurecimento. Quem assim procede deixa de culpar o mundo por suas próprias falhas, na verdade, o fracasso e as falhas passam a ser interpretadas não como o fim, mas como instrumentos de aperfeiçoamento. Quem é perfeccionista brinca de ser deus.

Quem pensa duas vezes desiste de ser juiz ou algoz dos outros porque passa a ver em si mesmo problemas suficientes a serem trabalhados. A coragem de assumir defeitos implica na transferência dos esforços para outro campo de batalha, o do crescimento pessoal em vez do julgamento alheio. Este é o primeiro passo para se fazer coisas realmente importantes na direção de superar fracassos e adquirir sucessos na convivência consigo e com os demais.

Sentir prazer no processo de viver, como em seus objetivos: possibilitará uma nova visão da vida, um novo entendimento da dinâmica da própria existência e seu significado. É saber que estamos num processo de evolução como cristãos e cidadãos deste planeta. E todo processo envolve investimento de tempo, trabalho e avaliação. Estamos em movimento, aleluia! Movemos-nos para um fim enquanto finalidade que é atingir a medida da estatura do homem perfeito – Jesus Cristo.

Prazer está no fato de que podemos desfrutar essas transformações, como a palavra grega aponta “metamorfose”, a transição de uma lagarta para uma linda borboleta. Sentir prazer tanto no caminho como na caminhada, enquanto isso entender que tanto nós como os outros estamos ainda em construção, ninguém está formado. Por isso a preocupação em julgar nada mais é do que uma precipitação do fim. Em sentindo este prazer, seremos libertados da necessidade ulterior de prender as pessoas ou nós mesmos em julgamentos fixos e condenações injustas.

Veremos que o julgamento não precisa fazer parte da nossa vida obrigatoriamente. Enquanto amamos a vida com aquilo que ela nos apresenta nos tornamos capazes de aprender com tudo e todos e aprender também que com o tempo as pessoas mudam.

Ser interessado nas pessoas por causa delas mesmas: antes de julgar alguém precisamos nos perguntar se o estamos fazendo porque realmente nos interessamos pela pessoa, por causa dela, e não pela necessidade de auto afirmação ou motivos acima apresentados. Guarde esta regra cristã para sua melhor orientação: “Pessoas são mais importantes do que seus erros”.

Verifique quais as verdadeiras causas que te impedem de admirar as pessoas pelo que elas são em si mesmas. Somos hábeis em mascarar as verdadeiras motivações com fachadas superficiais e mentirosas. Alguns dizem: “eu amo as pessoas por amor a Deus”. Sendo apenas uma desculpa por não conseguir admirar liberal e despretensiosamente seus semelhantes.

Conhecendo bem esta falácia do coração humano o Senhor Jesus repreende: “Hipócrita, tira primeiro a trave que está no teu olho e só assim poderás ver bem para tirar o cisco que está no olho do teu irmão”. Todos poderiam dizer: “veja só quanta demonstração de solidariedade em querer ajudar o irmão tirando o cisco de seu olho”. Sendo que na verdade esta é uma demonstração de fingimento, pois seu propósito era apontar a falha do irmão (embora pequena – um cisco). Ao passo que ele mesmo tinha maiores defeitos (uma trave no olho).

O certo segundo nosso Senhor é buscarmos nos corrigir para em seguida tentarmos ajudar o irmão. Ajudar com as motivações corretas. Ajudar por ele. Pelo real desejo de ajudar, o que deve falar mais alto é o interesse pela pessoa e seu bem-estar.

*Conclusão:

Devemos ser cautelosos com os juízos de valores que fazemos dos outros. Como cristãos deveríamos ser totalmente desprovidos da necessidade de julgamentos alheios. Apontar é sempre uma grande responsabilidade e traz muitas implicações sérias tanto para quem é a vítima que sofre danos muitas vezes morais e psicológicos quanto para quem julga porque atrai mais severo julgamento de outros quando errar ou cometer falhas.

Observemos nossas motivações interiores antes de julgar e tenhamos em mente estas sugestões aqui apresentadas para orientar nosso convívio com as demais pessoas, pois agindo assim cumpriremos a lei de Cristo – que nos amemos uns aos outros como Ele nos amou. Amém!

 

+ Revmo. Dom Raniere Campos

“Ad Magnum Dei Gloriae”