Parabola do Samaritano.

A parábola do Samaritano é uma das mais conhecidas pronunciadas pelo Senhor Jesus Cristo. Embora sua ênfase esteja no amor e cuidado ao próximo, podemos destacar os encontros daquele personagem central durante o caminho entre Jerusalém e Jericó, fazendo uma analogia dos encontros que temos em nossa vida com os mais variados tipos de pessoas e os seus resultados deixados em nós.

O primeiro dele foi com os salteadores. Eles o agrediram e roubaram tudo que possuía em seguida o abandonaram ferido à margem do caminho. Estes são a representação do tipo de pessoas que sugam o máximo que podem. A principal intenção com as amizades é adquirir vantagens, conseguir de alguma maneira lucros com a aproximação. Nada de partilha, mas sempre uma atitude egoísta de tomar do outro. O outro é sempre visto numa perspectiva de uso. Eles amam as coisas e usam as pessoas.

Os salteadores aqui apontam para aqueles que pensam sempre o mal, maquinam alguma forma de prejudicar seu semelhante. Inconformados com a felicidade alheia buscam usurpar para si como se desta forma pudessem ter a vida e o bem quem invejam. Veja que a violência e a força são os meios mais comuns utilizados para conseguirem o que ambicionam. Tais pessoas não têm a coragem ou a capacidade de lutar pelos seus sonhos e anseios, considerando mais fácil furtar daqueles que já obtiveram tais conquistas.

Outra característica é a ação camuflada, agem à surdina, espreitam e não revelam o que são, onde estão e o que pretendem. São pessoas que não se mostram, portanto, dificilmente se sabe o que pensam e o que lhes passam no coração. Desta forma são em extremo perigosas. No entanto, são muito observadoras, vigiam suas vítimas e esperam o momento certo para atacar. O mundo está cheio de pessoas assim querendo se apossar indevidamente do que é alheio. O decálogo condena este tipo de atitude em duas sentenças: “Não furtarás” e “não cobiçarás...”

Os dez mandamentos são acima de tudo uma forma de proteção ao bem alheio e uma defesa ao direito de quem o merece. Exemplo disso está no primeiro mandamento: “Não terás outros deuses além de mim”, protege a adoração ao Único Deus e garante-lhe o direito de ser verdadeiramente adorado. No caso da proibição do furto e da cobiça, se defende a propriedade alheia.

A palavra hebraica para “furtar”, abrange toda forma de roubo ou assalto de coisas materiais ou não, como no caso de “Absalão que furtava o coração dos homens de Israel” contra o rei Davi, de que maneira o fazia? “Falando palavras lisonjeiras ao pé dos ouvidos do povo”. Portanto, furta-se quando usa palavras enganosas, falsas promessas e/ou subtrai-se do outro o bem material ou imaterial que a ele pertence. Enquanto o furto é a consumação do desejo de apoderar-se do alheio, a cobiça é o desejo em si, a ânsia pela posse do que pertence ao semelhante. Note que no decálogo se diz: “não cobiçaras a mulher, o gado, a terra e etc do teu próximo”. O que denota uma familiaridade do cobiçador com a coisa cobiçada. Tudo começa com a inveja, segundo Tiago, depois vem à cobiça. A inveja gera a cobiça e a cobiça o pecado.

Não há pecado no desejo de adquirir as coisas, e sim, na intensidade e na forma de se adquiri-las. No Antigo Testamento está registrado que Acabe desejou a vinha de Nabote, como não pôde comprá-la, adoeceu. Seu desejo se tornou doentio e descontrolado, ao ponto de lhe corroer os pensamentos e transformá-lo num compulsivo, acabando com sua paz e sua saúde. O fim desta história deu-se em homicídio e juízo. Jezabel, mulher de Acabe, manda matar Nabote e se apossa de suas terras, Deus vê isso e condena Acabe e Jezabel.

Este encontro foi desastroso para o judeu, findou jogado à margem da estrada espancado e na eminência de morte, usado e depois descartado, assim é a cultura da “descartabilidade” das pessoas onde são preservadas enquanto tem algum valor ou oferecem alguma utilidade. Não estamos tão longe desta prática, muito menos, isentos de incorrermos no mesmo erro, é preciso reavaliar nossas relações, examinar que tipos de influencias temos recebido e como enxergamos nosso próximo. As verdadeiras motivações cristãs para o convívio social estão fundamentadas no amor, amor a Deus e ao semelhante de forma despretensiosa de lucros ou vantagens particulares.

O segundo encontro deu-se com a classe de religiosos representada pelo levita e o Sacerdote. Estes são a personificação dos indiferentes, daqueles que passam por longe, que dão a volta para não se comprometeram de forma alguma. Eles vêem o problema, o aflito e fingem que não viram. Eles são tão ensimesmados e incapazes de sensibilizarem com a desgraça alheia escondem-se por trás de uma falsa piedade. O caminho para justificar sua apatia social é a fabricação de uma realidade alternativa, de um mundo ilusório onde só existe nos seus discursos e ritos engessados.

Texto nos diz que tendo visto o infeliz, eles passaram de largo, ou seja, deram a volta, desviaram o caminho. Fizeram esforço para não ajudar, possivelmente porque estavam com tempo marcado para uma reunião ou obrigação espiritual. O céu é mais urgente do que a Terra na mente desses homens, não porque eles priorizam Deus, mas porque não querem sujar suas mãos com o sangue dos necessitados. Aqui Jesus faz uma crítica dura a este tipo de crente, uma reprovação seversa àqueles que fecham os olhos ao clamor dos necessitados. Lembremos o que diz: “Vocês me viram com fome e não me deram de comer, com sede e não me saciaram, nu e não me vestiram, preso e não me visitaram, assim agiram todas as vezes que não o fizeram a um destes meus pequeninos...” Ecoando a voz do Cristo, encontramos São João dizendo: “Quem não ama o seu irmão que vê não pode amar a Deus que não vê”.

O amor a Deus se evidencia através do amor à sua criação. Amar a Deus é sinônimo de amar o próximo. Noutras palavras, a mesma motivação em se amar a Deus é a de amar a tudo e todos. O amor que permeia o coração do crente é exatamente o que faz compartilhar as fraquezas e necessidades do próximo. Deus prioriza a Terra, seus filhos devem fazer o mesmo, pois é aqui onde se precisa de ajuda, é aqui onde podemos demonstrar que amamos de fato. Espiritualidade que fecha os olhos para as dores humanas é falsa, é fuga, é contrária a Deus. Um passo em direção ao céu é um salto em direção a Terra, santificação é o processo de humanização no seu sentido pleno. Ser santo não significa tornar-se angelical, e sim, humano, sensibilizado com o sofrimento do outro, conectado ao semelhante, portanto, uma regeneração, um retorno à criação original de Deus antes do pecado, um resgate de todo o bem que perdemos na queda.

O maior de todos os serviços prestados a Deus é o socorro aos desamparados. Na carta de Tiago, lemos: “A fé sem obras é morta”, ninguém pode dizer que tem fé se desampara ao que pede ajuda ou despedir de mãos vazias o que sente fome. A solidariedade é um principio básico nas Escrituras Sagradas. Deus não reconhece uma espiritualidade que fecha os ouvidos ao clamor do aflito. Podemos chamar de qualquer outra coisa menos serviço a Deus essa indiferença religiosa.

Sem dúvidas que este encontro não fez nenhuma diferença na vida do judeu vitimado, é lamentável que pessoas religiosas simplesmente passem pelas vidas de outras e não causem nenhum efeito ou boa impressão, nada, absolutamente nada. Se atentarmos bem ouviremos a grande decepção de Jesus com este grupo, o grupo que deveria fazer a diferença na vida do moribundo. Penso que nada fere mais o ideal de Deus que religiosos apáticos e fechados na redoma de ritos e cerimônias engessadas.

Que Deus nos livre deste tipo de morte enquanto vivos, isso mesmo, a indiferença provinda da religião é a mortificação da alma e de tudo que há de bom em nós. O processo de insensibilidade é lento e demorado, requer muito exercício e obstinação no auto enclausuramento, entretanto, mais trabalhoso ainda é reverter o processo ou talvez impossível.

O terceiro e último encontro foi com o samaritano. Ele é o representante dos verdadeiramente humanos. Daqueles poucos que se preocupam de fato, que sabem que o valor de uma pessoa supera o valor dos bens materiais mundo inteiro. Inesperadamente o Senhor Jesus choca todos os seus ouvintes judeus ao citar o bom exemplo como procedendo de um samaritano. Ninguém jamais poderia imaginar que o próximo daquele judeu arrogante que interrogara o Mestre fosse indiscriminadamente qualquer um até mesmo um samaritano detestado por todos no território de Israel. Jesus não se ocupa de intrigas étnicas ou políticas, ele quebrou todas as barreiras, desfez todos os estigmas e reprovou a hipocrisia. O que estava mostrando com este exemplo da parábola do samaritano é que ninguém pode ser tratado tão mal ou com tanto desprezo por causa de preconceitos, nem mesmo ser esteriotipado por sua diferença.

Quem menos se esperava foi exatamente quem prestou socorro à vítima, não é irônico que às vezes recebemos apoio e ajuda daqueles que jamais acreditaríamos nos ajudar? E ao passo que nos decepcionamos com aqueles que depositamos grande confiança e nos viram às costas. A vida tem dessas lições para nos ensinar. Pessoas que não damos nada por elas de repente se mostram como verdadeiros anjos dos céus em nossas vidas. E são elas que fazem renovar nossas esperanças na humanidade, que nos instigam a repetir atos de solidariedade e acreditar que vale a pena ser amigo, companheiro e prestar socorro.

O samaritano nos ensina que o preconceito é uma tolice a maior de todas que podemos cometer. Verdade que muitos se machucaram e fecharam seus corações para não se ferirem outra vez, mas é verdade também que age assim não se arrisca a oferecer e receber grandes demonstrações de amor. Porque o risco que meu próximo corre eu também corro, ou seja, qualquer um pode ser a vitima caída à margem da estrada.

Não basta apenas parar para ver quem está machucado, é preciso socorrer, em algumas situações precisaremos carregar alguém ou quem sabe ser carregados como aquele homem fez com a vítima, o texto diz: “ele o pôs sobre o seu animal e o levou a uma hospedaria”... Três encontros, três olhares (de violência, apatia e compaixão), três ações que fizeram grande diferença na vida de um homem. Neste último caso, o olhar foi o diferencial, foi de misericórdia. A palavra misericórdia é a junção de duas outras latinas, “miserere” = “olhar/sentimento” e “cordia” = “coração”, o olhar do coração ou sentimento do coração, ver o outro numa perspectiva sentimental muito forte, uma necessidade de ajudar, o sentir-se comprometido em fazer alguma coisa em favor do outro.

O samaritano cuidou do judeu moribundo, isto é, ajudou sem procurar saber quem era. Ele não se preocupou se era outro samaritano ou um inimigo, apenas o socorreu. Ali houve um grande investimento de tempo, condução e dinheiro, isso mesmo dinheiro, ele pagou a hospedaria e deixou mais para quando voltasse porque uma só era sua preocupação, o bem estar do infeliz. Enquanto os salteadores o violentaram para roubar seu dinheiro, o samaritano dava para o tratamento de sua saúde. Enquanto alguns tomam, outros doam. Enquanto alguns querem subtrair, os verdadeiros filhos de Deus acrescentam. Como deixamos as pessoas que cruzam por nós na caminhada da vida? Que impressão somos capazes de causar no semelhante? De que grupo representado aqui fazemos parte? Como podemos demonstrar misericórdia? E aquém? Quem é o nosso próximo? E de que maneira temos contribuído para um mundo mais solidário? Deus nos ajude a amar e socorrer